terça-feira, 30 de março de 2010

Um lenço sem lágrimas


A arte de fazer do futebol um poema não é para muitos. Talvez para poucos. Certamente apenas para um por ser único. Esse privilégio, durante 83 anos, foi do acreano de Xapuri, Armando Nogueira. Ele deu vida ao jornalismo, transformou o Jornal Nacional em referência e eternizou-se pelos poemas que fazia como um artífice da língua a criar imagens para demonstrar que a poesia está em qualquer lugar, inclusive, nos campos de futebol. Tive o prazer de trocar algumas palavras com ele sobre a nossa origem acreana e a importância dele para o jornalismo do País. Um doce de pessoa, atencioso, voz mansa, serena, acolhedora. Das imagens mais importantes que criou, uma me veio à mente ao escrever essa homenagem: ”Garrincha é capaz de transformar um lenço em latifúndio”. Pois bem, Armando Nogueira, você se foi ontem, dia 29 de março de 2010, sem nos avisar. Por mais que a morte seja o fim de todos, ainda mais de quem convivia há anos com um câncer, nós não estávamos preparados. Nunca estamos. Eu, por exemplo, não tinha disponível um lenço. E, ainda que o tivesse, não tenho a capacidade de Garrincha, de transformar um lenço em latifúndio, pois só transformando um lenço em latifúndio o Acre, e nós acreanos, poderíamos sorver, com este manto de pano, as lágrimas que merecem ser derramadas pela tua morte. Fostes embora. Ficamos órfãos de quem era capaz de ver poesia em esportistas e suas performances. Armando Nogueira, descanse em paz. Nenhum latifúndio transformado em lenço será capaz de abrigar o teu talento. Nenhum de nós que ficamos, seremos capazes de tanta sensibilidade. Nosso desafio, de hoje em diante, é pegar o lenço eternizado na imagem que criaste, enxugar as lágrimas pela dor da tua partida e seguir em frente, armandeando imagens até atingir qualidade nogueirense de poetar como fazias. As estrelas ganharam mais um parceiro para o desafio de inspirar poetas. Pisca, Armando. E sai a nogueirear pelo espaço celeste sem usar o Universo como teu lenço, pois, agora, não precisas mais chorar.

2 comentários:

  1. Emocionante o texto. A poesia está em tudo, dos campos às academias. Sorte de quem tem a sensibilidade de percebê-la na correria do cotidiano. Beijos de Marina Magalhães.

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  2. Olá Gilson!
    Bonita homenagem q fazes ao jornalista, a arte de escrever e expressar os sentimentos não é para todos, embora eu não tenha tido qualquer afinidade com o homenageado, sensibilizou-me sua perda, pela despedida que o fazes.
    carolina

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