Como as aparências enganam, não quero, de forma alguma julgar ninguém. Deter-me-ei apenas às aparências nas reflexões de hoje, porque a cena me provoca desde o dia em que a presenciei: sexta-feira santa, sexta-feira da paixão. Escrevo, não escrevo! Comento, não comento! Pode parecer tradicional demais, porém, ainda “guardo” com certo recato o “dia santo” da sexta-feira encoberto pelo manto sagrado do sentido pascal. Meu esporte predileto é observar as pessoas, registrar as cenas, para, depois, transformá-las em poemas. Como fui a um supermercado de Manaus localizado na Ponta Negra na tarde de sexta-feira da paixão, sentei-me em uma das mesas da Praça da Alimentação e passei a observar as “torres de chope” que passavam para uma mesa ou outra. Pensei: “as pessoas não guardam mesmo a sexta-feira santa”. Lembrei-me da infância em Sena Madureira quando só se saía de casa para a igreja, na sexta-feira, não se comia carne e até os banhos eram apenas “asseios” em respeito ao sofrimento que Jesus passara naqueles momentos dos quais recordávamos a sua dor na cruz. Eis que na mesa em frente a minha sentam três garotas, acompanhadas de um senhor de aparência oriental, japonês ou chinês, não sei precisar. Das três garotas, uma, talvez, fosse maior de 18 anos. Ele toma chope. Elas sucos. Provavelmente de laranja. E, sorrisos nos lábios, às vezes gargalhadas, tiram da caixa um celular Blackberry, aparentemente, um agrado de tão-bondoso senhor. Ligar para o Conselho Tutelar resolveria? Certamente não! Ao serem abordadas, as meninas poderiam alegar que compraram o aparelho, e talvez tenha comprado mesmo. Não faziam nada de anormal, além de, tomar sucos, acompanhadas de um amigo, que tomava chope e levantava-se constantemente da mesa para, educadamente, ir fumar seu cigarro na área externa da Praça de Alimentação. A cena, porém, também aparentava ser um daqueles típicos casos de assédio sexual de crianças e adolescentes que jamais podem ser comprovados. Registro a cena mais pelo caráter didático: nós, os pais, talvez pelo excesso de zelo dos nossos pais, teimamos em não ser tão zelosos. Se uma filha chega com o um Blackberry novinho, em plena tarde de sexta-feira da paixão, é a coisa mais normal do mundo. E se ela tiver sido assediada? E se tiver tido algum envolvimento com algum traficante, alguém do crime organizado? Deve ter a plena liberdade de decidir? Cada vez que vejo cenas como aquelas fico em dúvida: será que nós, os pais (e mães), não somos cúmplices, por desleixo, em alguns casos de abuso e violência sofridos por nossos filhos?
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