Tomo sempre a Sexta-Feira
Santa, data na qual se relembra sempre a dita “paixão de Cristo”, para
reflexões sobre a minha existência na Terra, sobre o que faço e sobre o que
fazem comigo também. Jamais fico sem me lembrar da infância, em Sena Madureira,
quando, para se manter a tradição, nossos pais nos enchiam de estórias.
Fantasias que povoavam nosso universo infantil. Diziam, e nós acreditávamos
piamente, que quem comesse outro tipo de carne que não fosse de peixe, passaria
a viver o resto dos dias como os animais. Se a carne fosse de cavalo, você
estava condenado a relinchar a vida inteira. Se fosse de bode ou de carneiro,
os berros seriam a sua sina e assim por diante. Eram sextas-feiras de silêncio
total, profundo respeito e orações. Recordava-se a cada momento “Paixão de
Cristo”. Comer carne? Nem pensar! Todos os dias da Semana da Páscoa eram
guardados com fervor. Praticava-se, integralmente, o jejum das carnes
vermelhas. Ou se comia peixe ou se ficava no pão com café. Hoje, um senhor Deus
chamado Mercado se apossou de todas as tradições. Com o preço do pescado nas
nuvens, em função dos atravessadores, bispos e padres resolveram liberar o povo
de guardar o jejum das carnes brancas e vermelhas. Na Terra, ao que parece, há
um senhor de todas as decisões, que influi diretamente nas tradições. Esse
senhor, pela força da demanda, muda até o rumo da nossa fé. E mata rituais
milenares para, no fundo, mostrar que a vida segue independentemente das
tradições.
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