Não
sei qual a intenção da Rede Globo, muito menos da Xuxa, com o depoimento ido ao
ar, ontem, no programa Fantástico. Logo ela, uma das maiores responsáveis por
estimular a sexualidade (e a sensualidade) precoce de uma geração de
brasileiras, foi para um programa dominical, em rede nacional, dizer que a
criança não sabe de nada, portanto, não pode ser violentada, estuprada. Visivelmente
abalada, Xuxa revelou, dentro outras coisas, só ter parado de ser violentada
aos 13 anos. Até o melhor amigo de seu pai, “que queria ser seu padrinho” a
violentou. Apesar de, em alguns momentos, misturar Michael Jackson com Ayrton
Senna, e parecer viver na Terra do Nunca, não posso crer que Xuxa tenha criado
um personagem e inventado a “violência sexual” sofrida para ganhar mais
audiência ao final da carreira. Em meio a um besteirol sem fim, foi capaz de
dar uma lição às brasileiras menos famosas e, num ato de extrema coragem, derramou
lágrimas de liberdade, de desabafo. Ontem mesmo, recebi alguns relatos
aterradores por conta dos comentários que fiz no Twitter e no Facebook a
respeito do assunto. Causa nojo imaginar uma menina que ainda nem completara
seis anos ser brutalmente violentada pelo primo, com atos que podem até ser
estimulantes e prazerosos quando se tem consciência deles e se opta por
fazê-los, jamais, porém, aceitáveis em se tratando do estupro de uma criança. Asquerosos
como esses ainda recebem o incentivo de uma proposta que diminui a idade de
quem hoje é considerado vulnerável “para fins de punição por crimes sexuais” de
14 anos para 12 anos de idade. De acordo com a proposta de mudança, a base para
tal foi o Estatuto da Criança e do Adolescente. Nele, criança é a pessoa até 12
anos de idade incompletos. Entre 12 e 18 anos de idade a pessoa é considerada
adolescente. A Lei 12.015, de 2009, que enquadrou como crime qualquer sexual
com menores de 14 anos de idade, “mesmo com o consentimento da vítima”, neste
caso, vai para a lata do lixo. Um Código Penal não pode ser abrigo para o
silêncio e a violência contra crianças. Que o depoimento da apresentadora Xuxa,
mesmo por linhas tortas, sirva de incentivo para que todas as mulheres vítimas
de violência e abuso sexual soltem o grito da garganta e não mais se tenha
fatos como o ocorrido recentemente em Sena Madureira, minha cidade natal,
quando uma menina de 11 anos, que ainda deveria estar a brincar com bonecas,
deu luz, após ter sido vítima de um estupro. Roubar a infância de alguém em tão
tenra idade não pode ser apenas motivo de piadinhas maldosas. Deve provocar
revolta intensa. Até quando manteremos indiferença diante de atrocidades tão
inaceitáveis quanto essas?
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